Custa-me adormecer a horas decentes.
Ultimamente tenho acordado quando deveria adormecer e adormecer quando toda a
gente está para acordar. Não sei bem porque o faço, não tenho motivo concreto.
Deixo-me levar pelas horas, simplesmente.
Este rame-rame começa no preciso momento em que acordo. Todos os pensamentos
que não tinha enquanto dormia, aparecem todos de forma pouco ordeira, desbastando assim a minha tranquilidade mental. Normalmente, quando isso
acontece, viro-me para o outro lado da cama e deixo-me adormecer novamente. Passo
dias inteiros a dormir para não ter de pensar, para não ter que sentir.
Dormir é fácil. Bastante fácil até...
Feliz ou infelizmente, chega a uma altura em que sou
obrigado a acordar definitivamente. Sacana do meu corpo tende sempre a mostrar-me
que ainda estou vivo, que tenho de me mexer.
Levanto-me, vou comer a primeira refeição do dia, quando supostamente já devia ter
comido umas duas ou três e venho para o computador. Sim, ultimamente, esta é a
minha vida.
Não é que eu goste ou que queira, de facto, viver para dormir. Não quero,
mesmo! Apenas aconteceu.
Eu tinha vida antes disto. Eu namorava, eu trabalhava, eu vivia, mas nem tudo é
como queremos, não é verdade?
O trabalho esse perdi-o. O patrão a modos que se arrependeu
de ter contratado alguém para aprender o ofício e começou a fazer de tudo para
que eu me despedisse. Custou aguentar e ficar, visto que lá estava à ano e meio
e tinha os meus direitos, mas consegui. Vendo ele que não conseguia,
despediu-me. Estou no desemprego agora, como tantos portugueses.
A namorada, digamos que não foi a melhor namorada do mundo. Enquanto eu
trabalhava, dediquei tudo o que eu tinha, tudo que ganhava, todo o tempo que me
restava a ela. Não que fosse obrigação, apenas gostava, mesmo. Acho que, a
partir do momento em que uma pessoa gosta, não deve se arrepender das coisas
que faz pela outra, mesmo que no fim venha a descobrir que não valha a pena.
Eu seguia esse pensamento sem pestanejar. Pouco poupei, quer em tempo, quer em
descanso, quer mesmo em dinheiro e não é agora que me arrependo. Embora tudo
tenha dado errado.
Costuma-se dizer que Deus dá nozes a quem não tem dentes e
eu, estupidamente, acabei por fazer o mesmo. Dei demais a quem não devia.
Descobri que não era o único na vida dela. Descobri que para ela “namorados há muitos, amigos é que não”. Descobri que, enquanto eu queria algo sério,
enquanto eu queria ter alguém do meu lado, ela queria viver a vida. Não a julgo
por completo, ela é nova, tem todo o direito de o fazer. Mas, e eu? Como fico
eu nesta história?
Bem, parece que acabei por não ficar nesta história. Acabei simplesmente de
passar a ser parte da sua história.
Vejo-a todos os dias a falar com este e com aquele. Vejo-a todos os dias com
mentirinhas, monstrinhos que ela cria para bem (ou mal) dela mesma, para que
ninguém saiba o que ela realmente anda a fazer com a sua vida, e pior, com a
vida dos outros.
Conheço-a como a palma da minha mão, depois de quase dois anos a desmascarar
muitos desses monstros quase que consigo saber o que ela vai fazer, sendo para
isso preciso ela dar apenas um passo.
Como devem imaginar, não foi fácil estar obrigado para ser despedido e levar
ainda com um namoro falhado, embora nessa altura ainda lutasse para que desse
certo.
Hoje em dia, tento esquecer.
Tento de alguma maneira seguir em frente. Procuro trabalho, vou às aulas de
condução, espero pelo dinheiro do desemprego, que nunca mais chega, enfim. Vivo
para contar os minutos e é por isso que durmo desta maneira.
Para já ainda não tenho nada. A minha conta bateu no fundo, ficou literalmente
a zero; a carta de condução ainda não a tenho, embora as aulas estejam quase a
acabar e tarda nada estarei a fazer exame de condução; o carro está em stand-by, esperando pelo dinheiro do desemprego que parece que vem de muletas, e o
amor, bem... O amor acho que, esse sim, vai demorar a chegar de novo.
Felizmente para mim, tenho comigo a esperança que este mau tempo vai
passar e que o sol vai voltar de novo. Tenho esperança de receber o dinheiro
que tanto espero, estou optimista no que toca à minha carta e espero um dia encontrar
alguém que me afugente estes fantasmas.
Amei mais do que devia, lutei até não poder mais, tive dias em que apeteceu
gritar até rebentar as artérias e hoje em dia, se não fossem os poucos amigos
que tenho, estaria tramado.
Por enquanto vivo para dormir, nesta nostalgia agridoce, bipolar e maquiavélica.
Vivo a contar os minutos. Respiro.
Malditos sejam estes dois anos da minha vida que se pudesse escolher, de
certeza que os tinha passado à frente.